A veiculação de publicidade potencialmente apta a configurar concorrência desleal, mas também de causar danos aos consumidores, privados do seu direito de escolha, que deve ser calcado em informações que reflitam a realidade do produto colocado no mercado, configura perigo de dano e justifica a proibição de comercialização.
Com esse entendimento, a juíza Renata Mota Maciel, da 2ª Vara Empresarial e de Conflitos Relacionados à Arbitragem de São Paulo, proibiu a comercialização de um sabão em pó que afirma “eliminar o vírus”, em alusão ao coronavírus, em propagandas e na embalagem. A fabricante deve recolher as unidades que estão em supermercados e se abster de realizar novas campanhas publicitárias com o mesmo tema. Foi fixada multa diária de R$ 50 mil em caso de descumprimento.
Segundo a magistrada, o argumento trazido pela empresa ré, no sentido de que “nas embalagens dos citados produtos é informado ‘promove a sanitização’ e ‘elimina o vírus’, mas não que mata o coronavírus” não se sustenta nem mesmo em um juízo sumário dos fatos “e, o que parece mais grave, afronta até mesmo a boa-fé, sobretudo quando se trata de um agente econômico de sua magnitude, em um momento tão delicado para a população em geral e, por consequência, para seus consumidores”.
Para Maciel, toda pessoa, “menos ou mais esclarecida, exceto um especialista em vírus”, ao avistar a embalagem do sabão em pó, fará associação ao combate do coronavírus. “Até porque, infelizmente, não deve haver uma pessoa que não esteja acompanhando o triste contexto de aumento exponencial de casos de Covid-19 em nosso país, ou, ao menos, que não seja atingida pelas informações e notícias que todos os dias são veiculadas sobre o tema, todas, aliás, mencionando que se trata de “vírus” e muitas vezes com o desenho que remete “ao vírus”, coincidentemente idênticos aos veiculados nas embalagens do referido lava-roupas”, completou.
Além disso, afirmou a magistrada, a fabricante do sabão em pó não apresentou nenhuma notícia de que antes da pandemia tivesse usado a expressão “eliminar o vírus” em sua estratégia de marketing. Assim, para Maciel, a propaganda pode induzir o consumidor a acreditar que o lava-roupas apresenta uma especialidade que não está demonstrada, ao menos até o momento, quando comparado aos demais produtos da mesma natureza.
A juíza vislumbrou afronta ao artigo 195 da Lei 9.279/96 (desvio de clientela), aos artigos 36 e 37 da Lei 8.078/90 (publicidade enganosa e abusiva), artigo 36 e seguintes da Lei 12.529/11 (infração à livre concorrência). “A questão é ainda mais grave quando se sabe que mesmo para os produtos saneantes reconhecidos pela Anvisa como da categoria Risco 2 não há autorização para anúncios publicitários que façam menção ao combate do coronavírus”, concluiu.